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Parques ou Estradas? A escolha que nos definirá




Um parque.
Um parque.

Nos últimos anos, nossa Capital Federal parece ter sucumbido à lógica da expansão desenfreada do transporte individual motorizado. Decisões recentes do Governo do Distrito Federal transformaram um dos maiores e mais icônicos parques urbanos do mundo, localizado no coração da capital, em uma rota alternativa para aliviar a pressão do trânsito hostil e caótico. Esse movimento, além de contradizer práticas globais de mobilidade sustentável, compromete tanto a segurança dos usuários do parque quanto sua finalidade como espaço de lazer e convivência.

Parques urbanos são verdadeiros pulmões das cidades e refúgios para seus habitantes. Em metrópoles como Nova York e Londres, parques como o Central Park e o Hyde Park são protegidos de usos que comprometam sua função original. Eles servem como áreas destinadas ao lazer, à prática de atividades físicas e à promoção do bem-estar da população. Em nenhum desses casos, a solução para o trânsito incluiu transformar parques em vias alternativas para carros. No Central Park, localizado no meio da ilha de Manhattan, a circulação de carros começou a ser limitada no final do século XX, com a redução do tráfego permitido e a imposição de limites de velocidade. Em 2018, a cidade de Nova York proibiu completamente o trânsito de veículos motorizados em quase todas as vias do parque, reservando-as exclusivamente para pedestres, ciclistas e atividades recreativas (apresentações musicais, exposições etc), reforçando seu papel como um espaço de lazer e convivência.

Reforçando essa tendência internacional, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os governos priorizem espaços verdes como forma de melhorar a saúde pública e combater o estresse urbano. O acesso a parques e a todas possibilidades que trazem, reduz índices de doenças cardiovasculares, obesidade e até mesmo problemas de saúde mental. Quando um espaço verde é transformado em atalho ou corredor de trânsito, não só perde-se o benefício à saúde, como aumenta-se o risco de acidentes para pedestres e esportistas.

Nos países mais avançados em mobilidade urbana, como Holanda e Dinamarca, a priorização de modais ativos (bicicleta e caminhada) e do transporte coletivo tem se mostrado eficaz para reduzir os efeitos nocivos do trânsito. Amsterdam e Copenhague investiram massivamente em infraestrutura para ciclistas e transporte público multimodal, com resultados surpreendentes: menos congestionamentos, ar mais limpo e cidades mais acessíveis e amigáveis.

Enquanto isso, a priorização do carro por aqui não apenas falha em resolver os problemas de tráfego, mas também agrava o ciclo de dependência do transporte individual. Levantamentos do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) indicam que a construção de novas vias ou a ampliação de rotas existentes não reduz o trânsito de forma sustentável. Pelo contrário, induz mais pessoas a utilizarem carros, aumentando ainda mais o problema e já assistimos isso acontecer por aqui, basta observar o aumento de fluxo de veículos no eixão após as obras da “ponta norte”. No Canadá, a história é a mesma, engarrafamentos quilométricos que se formam ao longo de uma via com 18 faixas (highway 401). Estamos conscientemente “enxugando gelo”?


E o “dilema dos motoristas”?

Não há dúvida de que a população, incluindo os motoristas, enfrentam desafios diários no seu deslocamento urbano. O trânsito caótico, somado à insuficiência de transporte coletivo de qualidade, cria uma armadilha de difícil transposição. Nessa lógica, os meios coletivos não representam uma opção viável e segura de transporte, mas uma necessidade para aqueles que (ainda) não conseguiram viabilizar a compra de um automóvel.

Há ainda uma questão envolvendo as plataformas de transporte por aplicativo e como elas, devido à nossa precária estrutura de transporte coletivo, inundaram as cidades de mais carros, mas isso fica para outra conversa.

O fato é que as grandes metrópoles brasileiras e do mundo já nos mostraram que a solução não está na multiplicação ou ampliação de vias, mas na criação de opções reais e atrativas para que os motoristas deixem o carro em casa.

Por que não direcionar os investimentos para a melhoria do sistema de transporte público, com ônibus mais eficientes, limpos, previsíveis e seguros? Por que não ampliar as linhas de metrô e a integração tarifária? Por que não ampliar as ciclovias, que já se mostraram uma alternativa viável e segura para muitos? Essas ações poderiam reduzir a dependência dos carros e aliviar o trânsito de forma duradoura e ainda agregando qualidade de vida a todos. Como para um investidor, não é prudente apostar todas nossas fichas em um único negócio, precisamos de diversidade, múltiplos modais integrados e com prioridade SEMPRE para o transporte ativo.


Falando em prioridade…


Usar um parque público como rota alternativa é um erro estratégico que subverte sua função primordial e coloca em risco a vida de quem busca um espaço em prol da saúde e lazer.

É preciso repensar as prioridades e adotar políticas que alinhem a Capital Federal às melhores práticas globais de mobilidade sustentável. Existem condições para isso.

Viajar e ver parques para pessoas, ciclofaixas e ciclovias, metrôs e trens como principais formas de deslocamento urbano é uma experiência incrível, mas parece que nossos governantes e elite só apreciam essas estruturas quando estão fora do Brasil.

O futuro da nossa cidade não será construído com mais asfalto, mas com escolhas inteligentes e corajosas que priorizem as pessoas – e não os carros. Preservar o parque como um espaço dedicado ao lazer e investir em transporte coletivo e modais ativos são passos essenciais para garantir uma cidade mais saudável, segura e sustentável para todos.



Régis Oliveira - é pai, filho, marido, Servidos Público e esportista. Morador de Brasília e praticante de atividade física diária no Parque da Cidade e todas as vias circuláveis da cidade.

 
 
 

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